Sinopse:
A apresentação do livro pelo autor: Este livro é inspirado no seriado americano Twilight Zone, conhecido no Brasil por Além da Imaginação. Mas também é fruto de um sonho de criança, desses que todo mundo já teve. Afinal, nada melhor do que ir além da imaginação.
Três amigos - os inseparáveis Rindu e Mário, mais a estudante de Letras, Martina - saem em uma expedição às cavernas do Vale do Ribeira. A aventura desanda em desastre. Após um cochilo num dos salões da Gruta da Rainha, os exploradores se vêem presos na caverna. Um dos riachos internos enche e bloqueia a saída. Sem saber o que fazer, Rindu, Mário e Martina aguardam as águas baixarem. Três ou quatro dias depois, eles conseguem emergir da caverna para fazer uma absurda constatação: todas as pessoas à sua volta viraram "duros", paralisados como estátuas de cera ou bonecos de plástico. Um estranho fenômeno ocorreu e os três se tornam os únicos habitantes vivos do planeta.
O que dizer...? Uma história irretocável, que flui belamente entre memórias de tempos diferentes, evocadas por Rindu, o narrador. Talvez, uma das melhores e mais cativantes personagens em todo o universo marcelorubenspaiviano, com sua insaciável sede de compreensão - entender as coisas, as pessoas, o mundo, e principalmente a si mesmo.
Título: Blecaute
Número de Páginas: 216
Autor: Marcelo Rubens Paiva
Editora Brasiliense
Lendo nas entrelinhas:
Hoje eu trago para a coluna a resenha de um excelente livro de autoria brasileira, escrito pelo paulista Marcelo Rubens Paiva. O enredo segue a linha de ficção científica do seriado Além da Imaginação, alguém se lembra desse programa? Onde tudo pode acontecer! (rs) Pois bem, a história de "Blecaute" te envolve em um mundo escatológico e totalmente silencioso. Tem muito suspense, daqueles que te deixa louco pra terminar a página e saber logo o que vai ocorrer com o personagem. Também possui uma pitada de romance e comédia.
"Entramos na gruta e... foi um desastre. Nunca poderíamos prever. Enquanto cochilávamos num grande salão, o riacho que corria por dentro da caverna subiu, deixando a saída coberta pela água. Ficamos presos, sem saber o que fazer. Folheamos os manuais, mas não diziam nada que nos ajudasse. Provavelmente tinha havido uma grande cheia no rio Ribeira. Pensávamos em retornar por baixo da água, mas não sabíamos a extensão da abertura. Esperamos, esperamos. Como esperamos..." (p.4).
Tudo começa quando Rindu (o narrador) participa de uma palestra sobre Espeleologia, ciência que estuda as cavernas. Embora o orador fosse italiano e Rindu não estivesse entendendo quase nada do que ele estava falando, o rapaz se apaixonou pelo assunto. Então, Rindu afixou cartazes pelo restaurante universitário em busca de companheiros para sua nova aventura. Ele recebeu a adesão de Mário (seu melhor amigo), Clérico (estudante de física) e Martina (estudante de lestras que também se envolvera pelo tema durante a palestra), assim, num feriado prolongado, o grupo resolve se aventurar pelas cavernas da região do Vale do Ribeiro, em São Paulo. Já na entrada da Gruta da Rainha, eles tiveram a primeira briga. Clérico estava com medo e, entre outras bobagens, disse que não entraria na caverna. Embora, relutantes em deixá-lo abandonado, o rapaz foi expulso pelo grupo e teve de voltar sozinho para casa. Os três entraram na gruta, passaram horas maravilhados com um grande salão e acabaram cochilando ali mesmo. Assim, o desastre aconteceu... o riacho que corria por dentro da caverna subiu, deixando a saída coberta pela água.
"Economizamos luz e comida. Martina chorou. Eu rezei. Mário dormiu. Tentávamos contar piadas, histórias, qualquer coisa para passar o tempo. Nada. Eu dormi. Martina chorou. Mário riu. Nos odiamos. Nos xingamos. Não nos falamos. E esperamos, esperamos... Finalmente, depois de uns três ou quatro dias (numa caverna perde-se a noção do tempo), o riacho baixou, descobrindo a saída. Saímos. Morcegos pendurados na entrada da gruta gargalharam da nossa incompetência. Acho que foi o dia mais idiota da minha vida." (p.4).
O que acontece a seguir é realmente além da imaginação, pois, ao saírem daquela caverna, Rindu, Mário e Martina não imaginavam que o mundo todo havia se transformado drasticamente. A primeira coisa que eles notaram foram as fileiras de carros parados nas ruas, bloqueando a pista, e os motoristas nem se preocupavam com isso. "Poderia ser alguma forma de protesto?", eles pensaram. Não, não era. Exceto pelos animais que se moviam para um lado e outro, todos estavam de alguma forma paralisados. De fato, todas as pessoas não estavam apenas "paradas", elas também estavam "duras". Nem quente, nem frio. Corpos de borracha. Aquilo que era coisa estranha.
"No acostamento, havia um policial caído, com uma lanterna na mão. Duro, como todos os outros. O braço esticado, apontando a lanterna para o céu. Sua expressão era serena, normal. Tudo ao redor parecia normal. Exceto pelo corpo petrificado. Entramos na cabine. Devagar, olhando para todo lado. Havia outro policial, sentado em frente de um aparelho de rádio, com o microfone na mão. Ironicamente, ele parecia rir. Um guarda rodoviário, duro, rindo, com um microfone na mão. O que era aquilo? O que aconteceu? Inacreditável. O rádio chiava. Girei o sintetizador. Em todas as frequências, chiado, nada, ninguém." (p.6).
Você já pensou em como seria ter a cidade inteira só para você? E o mundo? É o que acontece com os três personagens. Rindu, Mário e Martina descobrem que são as únicas pessoas vivas, ou ao menos ativas e conscientes, vivendo na Terra. Agora, um planeta totalmente silencioso e quieto. Sem nenhum barulho de carro, buzina ou fumaça de caminhão, nem mesmo um som de crianças gritando ou adultos conversando ao celular pelas ruas. Nada. O contrário absoluto do agito e da movimentação em que eles estavam acostumados a viver na metrópole paulista.
"Voltei a pensar na possibilidade de estar morto. Antes de virar pó, percorria espaços guardados na memória. A cidade. Os animais. Não. Não era possível. Eu nunca tinha ido ao Aeroporto de Cumbica. Eu o via claramente, não poderia estar imaginando, muito menos estar morto. Não. Ter entrado numa outra dimensão do tempo também não era possível. Os animais se mexiam normalmente. Se por acaso eles estivessem também paralisados, seria uma hipótese forte: o meu tempo, o de Mário e o de Martina estaria
superacelerado, dando a impressão de tudo parado. Mas não. Os animais, a poeira, os relógios, contestavam esta teoria. Então, que merda estava acontecendo?!" (p.26).
Os três permanecem juntos no início. Havia esperança de que as coisas voltassem ao normal em algum momento. Permaneceram na casa de Rindu em Pinheiros. O convívio estava sendo normal. Martina permanecia com sua rotina de estudante, sempre lendo algum livro importante. Rindu e Mário exploravam a cidade de vez em quando atrás de algo. Como se fossem encontrar a solução daquele problema ou se em um passe de mágica tudo fosse voltar ao normal. Ou quem sabe aquilo era um sonho esquisito? Mas nada mudava. As pessoas continuam paralisadas, algumas ainda de pé, outras sentadas, ou em carros, ou deitadas em suas camas, como se estivessem adormecidas. Mas não estavam. Estavam? Bom, de certo eles não sabiam o que realmente havia acontecido no mundo, nem com aquelas pessoas.
"Observei a imensidão da cidade. O que seria feito daquilo tudo...? Não era possível que depois de uma história cheia de guerras, pestes, invenções, a raça humana terminasse num abandono completo. Era ridículo. Esperei. Nada." (p.26).
Em meio a este mundo paralisado e quieto, Rindu se lembra de sua infância, adolescência e vida adulta, narrando suas aventuras e festas ao lado de seu melhor amigo, Mário, e suas namoradas, seu trabalho, sua família, principalmente, o convívio com o seu pai. No silêncio do mundo, Rindu consegue refletir sobre a sua própria vida passada e se existiria um sentido no futuro.
"Olhava ao redor e percebia que era dono de todas as coisas, mas me sentia distante e com medo, absorvido por pensamentos embaralhados. Nada fazia sentido. Aquela cidade cheia de coisas estava me dando um tremendo vazio. Onde estava o nosso universo em expansão? Maldito universo! Acelerei até o limite da velocidade do carro, deixando o volante tremer na minha mão. Os pneus espalhavam a água que a chuva deixara sobre o asfalto. Acendi um baseado. Merda de vida!" (p.33).
A primeira vez que li "Blecaute" eu tinha quatorze anos de idade e estava lendo para apresentar-lo em sala de aula; quase dez anos se passaram e agora, quando eu fui reler as palavras do autor senti o mesmo desconforto sobre a vida agitada em uma metrópole. O destaque desta obra vai exatamente para essa reflexão, o autor nos leva a pensar sobre o mundo moderno e agitado ao longo do desenvolvimento da narrativa (mostrando que muitas vezes o tempo - rigidamente cronometrado pelo relógio - é mais importante no cotidiano das pessoas do que memórias e sentimentos) e o crescimento dos personagens (apresentando as facetas da humanidade). De fato, este é um dos meus livros favoritos, espero que vocês também gostem.
"Não fico mais aflito por saber que nada sei. O que é? De quê? De onde veio? Para onde? São perguntas cujas respostas não me interessam. O tempo não precisa ser medido; essa frase tem ficado muito tempo na minha cabeça. Não existe diferença entre verdade e mentira, nem a possibilidade de encontrar o bem e o mal; não sei por que catso comecei a pensar nisso. Não fico alegre, nem triste. Há muito não dou uma risada, nem choro. As palavras não significam nada. Meu corpo se curvou para a frente, cansado, desiludido. Não consigo entender o sentido da minha vida. Não consigo entender nada. E isso não me comove mais. Os homens fizeram a sua própria história, mas não imaginaram onde iriam desembocar."
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