As razões que me levam a escrever hoje, nesta noite entorpecida de sexta-feira 13, são três: primeiro que eu não poderia deixar esta data tão propícia passar em branco - ou preto -; segundo, por se tratar de um dia especialmente macabro. O que nos leva ao meu terceiro motivo: quer noite melhor para ler uma história de suspense aterradora?
Por isso, escolhi resenhar o livro "A Menina que Não Sabia Ler" de John Harding.
Apresentação do livro. |
Sinopse:
1891. Nova Inglaterra. Em uma distante e escura mansão, onde nada é o que parece, a pequena Florence é negligenciada pelo seu tutor e tio. Guardada como um brinquedo, a menina passa seus dias perambulando pelos corredores e inventando histórias que conta a si mesma, em uma rotina tediosa e desinteressante. Até que um dia Florence encontra a biblioteca proibida da mansão. E passa a devorar os livros em segredo. Mas existem mistérios naquela casa que jamais deveriam ser revelados. Quem eram seus pais? Por que Florence sonha sempre com uma misteriosa mulher ameaçando Giles, seu irmão caçula? O que esconde a Srta. Taylor? E por que o tio a proibiu de ler? Florence precisa reunir todas as pistas possíveis e encontrar respostas que ajudem a defender seu irmão e preservar sua paixão secreta pelos livros - únicos companheiros e confidentes - antes que alguém descubra quem ousou abrir as portas do mundo literário. Ou será que tudo isso não seria somente delírios de uma jovem com muita imaginação?
Título: A Menina que Não Sabia Ler
ISBN: 978-85-62936-11-1
Número de Páginas: 282
Autor: John Harding
Editora Leya
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Capa e contracapa do livro. |
Lendo nas entrelinhas:
Eu não sou daquelas garotas que gostam de filmes de terror - do tipo Massacre da Serra Elétrica -, principalmente, por causa do sangue, e por não ter uma história cativante; melhor dizendo, nesta última só há sangue. Enfim, neste livro de John Harding você vai encontrar horror e sangue - um pouco dos dois -, no entanto, existe aqui uma história por detrás disso tudo. Tem um enredo amarrado. Seguindo a trilha dos romances obscuros de Edgar Allan Poe e Henry James, o autor se destaca pela narrativa verdadeiramente sinistra e perturbadora, mas, ao mesmo tempo, intrigante e viciante. Não sei como explicar de outra forma, mas é estarrecedor e inebriante ao mesmo tempo.
"É uma história curiosa a que tenho de contar, uma história de difícil absorção e entendimento, por isso é uma sorte que eu tenha as palavras para cumprir a tarefa." A Menina que Não Sabia Ler (p.13).
A primeira coisa que você, leitor, precisa saber sobre esta história é que um livro pode se tornar uma arma poderosa nas mãos de uma menina, principalmente, se todos dizem que ela não pode de forma alguma aprender a ler. Então, preparem-se para conhecer Florence.
"Blithe tem dois corações, um quente, um frio; um iluminado, outro sombrio mesmo no dia mais ensolarado" - Florence (p.83).
Florence é uma órfã de 12 anos que mora em uma mansão de pedra rústica com muitos cômodos, tão imensa que o seu irmão caçula, Giles, tão rápido nas pernas quanto na cabeça, leva três minutos ou mais para percorrê-la. Blithe House é um grande celeiro, uma casa desconfortável e deteriorada pela prudência, negligência, com os gastos controlados rigidamente pelo tio ausente das crianças. O imóvel possui vazamentos buracos, traças e ferrugem, fria, mal iluminada, repleta de cantos escuros, de modo que, apesar de ter vivido toda a sua vida, até onde Florence consegue se lembrar, às vezes, especialmente às vésperas do inverno, quando vem caindo o crepúsculo, a menina sente tremores.
"É claro que eu não sabia ler, mas por algum motivo isso me deixava ainda mais maravilhada, todos os milhares - acho que milhões - de linhas codificadas com impressão indecifrável. Muitos livros eram ilustrados, com xilogravuras e gravuras coloridas, citações frustantes logo abaixo, cada uma delas mostrando a miserável impotência do tracejar dos dedos" - Florence (p.15).
Durante uma brincadeira de esconde-esconde, a menina abre uma porta estranha, uma que até aquele momento estivera trancada - ou assim ela pensara, provavelmente devido à sua rigidez, que seu eu tão jovem não conseguia vencer -, para se esconder do irmão ali, e descobre um imenso tesouro de palavras. A parir daquele dia, a biblioteca se tornava se principal refúgio na casa. Apenas saindo de lá para participar das refeições, deitar-se ou brincar esporadicamente com Giles; e, claro, quando algum visitante aparecia na mansão.
"Naquele dia em que nevou, imaginei-me impermeabilizada contra o garoto Van Hoosier, mas cometi o mesmo erro que muitas pessoas cometiam comigo (quem imaginaria que eu tinha dois ninhos de livros? Quem imaginaria que eu francesava e shakespearizava?), ou seja, julguei-o pelas aparências." - Florence (p.39).
Florence e Giles viviam sozinhos, exceto pelos empregados da casa e pela Sra. Grouse, que administrava a mansão. Os dois nunca saiam de casa e tão pouco recebiam visitas de seu tio. Apenas os proprietários da residência vizinha, os Van Hoosiers, apareceram uma certa vez; eles tinham um filho, Theo, alguns anos mais velho do que a menina, filho único que queriam desentediar. Somente algum tempo muito mais tarde, quando Giles havia adquirido idade suficiente para ir a escola, e depois de ser convidado a sair da mesmo - por motivos ainda escusos a irmã -, é que foi trazida uma governanta para cuidar da educação da criança. Não da menina, apenas do jovem Giles, pois Florence era terminantemente proibida pelo seu tutor de receber qualquer tipo de instrução e educação.
"Também me recriminei pelos maus pensamentos que estavam em minha cabeça quando ela foi para seu túmulo aquático, pois foi exatamente no dia em que ela me desbibliotecou que eu havia repetido aquelas palavras várias vezes em meu coração: "quero que ela morra, quero que ela morra", mas não queria dizer aquilo, e quando meu desejo foi concedido quase morri de desgosto por não poder retirá-lo." - Florence (p.83).
A srta. Whitaker, na visão de Florence, era uma criatura de coração estritamente gelado. Ela negligenciava Giles, por quem demonstrava menos interesse que em escovar os cabelos e olhar-se no espelho. Na qual, a menina desprezava tanto quanto se culpava por não ter conseguido salvar a sua vida naquele fatídico dia. As circunstâncias de sua terrível morte no lago eram intensamente relembradas pela pobre Florence, que acabou transformando a vida da menina.
"Eu não consegui evitar um grito, por sentir muita dor. Afastei a cabeça e senti um puxão no couro cabeludo e vi que estava livre, enquanto ela segurava uma mecha do meu cabelo. Nós nos encaramos, duas feras em combate mortal, ela de um lado da escrivaninha, eu do outro." - Florence (p.194).
Após semanas de quietude na casa, apenas com a companhia alegre de seu irmão Giles, Florence acreditava que a felicidade havia voltado a Blithe House. Entretanto, tudo estava prestes a mudar, pois a nova preceptora do menino chegaria em poucas horas. E a menina descobriria que a srta. Taylor poderia ser imensamente mais perversa e cruel do que sua antiga governanta. A vida de todos na mansão vai mudar drasticamente, até que a Florence perceba que está sozinha nesta guerra, nem os empregados ou mesmo a polícia acreditam em suas histórias. Ela precisará de toda a sua inteligência, perspicácia e audácia em articular um plano bem rápido. Assim, a menina precisará fazer justiça com as próprias mãos, mesmo que para isso arranque um pouco do sangue e alma da criança para fora de seu corpo.
"De repente senti uma mão em torno do meu pescoço agarrando-me por trás e outra cobrindo minha boca e meu nariz com um pano de forma que quase sufoquei. O pano tinha um cheiro forte e estranho, como o da cirurgia no dentista e..." - Florence (p.275).
Com muito suspense, uma pitada de obscuridade e horror, além de fantasia e, eu diria também, um toque de romance juvenil - para não dizer primeiro amor, pois a Florence negaria veemente'mente' sentir algo tão forte por um garoto tão magricela e alto -, "A Menina que Não Sabia Ler" consegue prender a leitura até a sua última frase. Você vai se desesperar, emocionar e apaixonar por esta história. Acredite!
Citação inicial do livro. |
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